Desde tenra idade que detenho uma mini coleção de
calendários, um pequeno espólio com pouco mais de sete centenas de pequenos
pedaços de cartão, que têm como denominador comum e impressas no seu verso as
doze tabelas com a relação dos dias do mês com os dias da semana. No entanto é
o outro lado (na frente) a face verdadeiramente distintiva e diferenciadora
destes pequenos retângulos, que assume-se geralmente como um veículo
publicitário, onde é possível observar-se impressas as mais diversas imagens ou
mensagens.
À custa de uma propaganda (inscrita na frente), dá-nos como
grande contrapartida (inscrita no seu verso) uma forte ajuda na referenciação
dos dias ao longo do ano, partindo claro está, do princípio que a mensagem
inscrita na frente é captada consciente ou inconscientemente pelo nosso
cérebro.
Nomes de empresas, logótipos, fotografias das instalações da
empresa, fotografias da equipa de trabalho, fotografias de produtos a
comercializar, fotografias de paisagens e até fotos de mulheres nuas (sempre
com a referência à empresa em questão), são alguns dos exemplos utilizados
amiúde nesta propaganda impressa na frente do calendário. Mas, nem todos os
calendários destinam-se a veicular publicidade, alguns e (geralmente) pagos,
fazem parte de coleções temáticas, tais como: automóveis, motos, paisagens e
monumentos, cenas de filmes e séries de televisão entre outros...
Em petiz, no início de cada ano tinha por hábito efetuar uma
prospeção de calendários nas lojas da cidade, para tal, munia-me de alguma
coragem e engalfinhava-me (muitas vezes acompanhado pelo meu primo) num sui generis “peditório”, entrava nas
lojas e perguntava aos lojistas se estes tinham calendários. Estranhamente e
por mais bizarro que fosse tal “peditório”, este era geralmente bem-sucedido
(pelo menos no início da década de noventa em que não haviam telemóveis e as
empresas apostavam nos brindes e desta forma o mundo era próspero em
calendários). Depressa me fui apercebendo que além dos calendários, existiam
outros tantos brindes como oferta: esferográficas, autocolantes, navalhas,
porta-chaves e réguas; eram alguns destes pequenos presentes, aos quais eu
avidamente adaptei e aperfeiçoei o meu discurso de “peditório” e que
estrategicamente os incluía tal como os famigerados calendários.
Um calendário que eu e o meu primo cobiçávamos, era o
calendário de plástico, uma verdadeira novidade tecnológica à época e
aparentemente um símbolo da modernidade e quiçá do futuro do calendário.
Felizmente ainda consegui arranjar dois calendários desse material hodierno, um
da farmácia da terra e outro de um banco (hoje já extinto).
Desafortunadamente nem todos os comerciantes alinhavam no
“peditório”, alguns chegavam até a negar a posse de calendários. Houve até um,
que teve a grande lata de dizer que não tinha, mesmo detendo uma grande parga
deles à vista em cima do balcão. Fiquei revoltado, e saí da loja, revisitando
pouco mais tarde e de forma sorrateira a loja. Quando o funcionário voltou
costas, em nome do colecionismo cometi um pequeno delito e surripiei um dos
calendários que se encontravam naquele molho.
Certo dia consegui convencer alguns dos meus colegas da
escola a alinhar na prospeção dos calendários, éramos cinco, pelo que bem
vistas as coisas, éramos muitos o que não era nada profícuo. Fomos (ou quase
fomos) a uma loja de material de construção, tratava-se de uma loja comprida em
que o balcão se figurava ao fundo e um tapete castanho à entrada. Limpámos as
solas das sapatinhas ao dito tapete, e voltamos a limpar sucessivamente, pois
ninguém tinha a coragem ou iniciativa para avançar e enfrentar o funcionário
com um “peditório” para cinco pobres almas que apenas almejavam mais um
calendário para as suas coleções. Findo algumas dezenas de passagem no tapete,
houve um colega que «inteligentemente» teve a lata de gritar cá da porta:
“Pronto já limpei a minha trampa!”, e foi este o mote para terminar por ali a
recém-prospeção. O peditório era uma ideia genial e funcionava bem, mas era
sozinho ou com o meu primo!
À medida que fui crescendo, fui ganhando alguma vergonha e
até um certo desdém por tal atividade, e como consequência a minha mini coleção
passou a crescer a um ritmo muito mais reduzido. Valeu o meu pai, que de vez em
quando arranjava-me calendários, das mais variadas proveniências, inclusive um
(que na altura era uma grande novidade, e vendo hoje com algum discernimento,
uma grande javardice) um calendário com uma mulher quase nua, que passando o
dedo molhado, ficava sem o quase…
Campos.
* Esta crónica foi publicada no jornal diário Correio do Minho em 16 de Setembro de 2013.
A análise do senhor Provedor Américo Baptista:
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