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Um passeio atribulado

Sexta-feira, oito da noite. Hoje jantei cedo. Saio de casa para um pequeno passeio.
Preciso de espairecer, foi mais um dia tumultuoso. Não consigo compreender o que se passa, se é que realmente se passa alguma coisa. Talvez não haja motivos para alarme, provavelmente será algum produto do cansaço acumulado, ou como esteve (está?!) em voga, se é que se pode considerar em voga, o “stress”! Modas ou não eu sempre prefiro o termo cansaço, que é como se diz, bem mais nosso. Bom, deixemo-nos lá então de bairrismos e de saudosismos que não nos levam a nada… O facto para tanto alarmismo é que deambulei alguns dez minutos e não vi passar um único carro na estrada. Cruzei-me apenas com uma pessoa ou algo que se poderia assemelhar a uma criatura da espécie humana, a qual para meu grande espanto teve uma reação bastante estranha. Algo do género, como se eu fosse, além dela a única pessoa na Terra. Parecia-me assustada, com receio de algo, não só com o amanhã, mas sobretudo com o presente. Um breve arrepio gélido invade o meu corpo já de si mais que alarmado. Não se encontra vivalma. Algo de tenebroso teve que se passar. Só algo de tal dimensão grotesca pode justificar este silêncio, esta calma, esta inquietude.
Sinto-me como uma personagem acabada de sair de um filme de terror, daqueles filmes fraquinhos, sem quaisquer efeitos especiais, em que a única coisa que se safa ainda é o argumento. Modéstia à parte, já se passaram cerca de vinte minutos e ainda não me cruzei com mais ninguém. Decido abortar o passeio e voltar para casa, ligar a televisão ou o rádio, se é que algum destes aparelhos ainda funciona. Talvez sejam estes a única forma de me esclarecer o que realmente se passa…
Tento verificar as horas no meu relógio de pulso, mas este encontra-se com os ponteiros imobilizados. Meteram folga por volta das oito e meia, oito e trinta e dois, mais precisamente. Não sei ao certo que horas são, e mesmo que tivesse coragem de perguntar a alguém, esse alguém não se encontra aqui na rua. Quando chegar a casa vejo as horas.
Terá havido alguma ameaça? Humana, ou natural? Tento indagar-me, procurar uma resposta. Terrorismo, tufão, epidemia, ou qualquer ataque químico ou biológico. Tudo me vem à cabeça, do péssimo ao pior dos piores. Nada de bom poderia ser, a ser será certamente algo de bastante mau e avassalador, esta será a única resposta acertada que posso dar, embora o teor, esse o desconheça por completo, passou-me ao lado. Estou alheio a tudo e a todos. Isolado neste mundo, um mundo estanque, onde não existe mais ninguém. Minto, onde existem duas pessoas que se cruzaram por breves instantes. Talvez sejam oponentes neste “novo” mundo, ou quem sabe os únicos sobreviventes de uma catástrofe, de uma calamidade de causas ainda por apurar. Ou talvez nem sequer estas duas criaturas existam neste momento…Talvez! Seja melhor não ser tão dramático. Talvez a causa seja uma causa menor, uma coisa sem qualquer importância, enfim uma insignificância que talvez possa ser reduzida ao nada, ao absurdo. Talvez tantos “talvezes”. Talvez (um último talvez) esteja tudo na minha cabeça, já nada percebo, já nada sei. As certezas, se é que alguma vez as tive, já se foram… Resta-me apenas resignar-me ao que efetivamente se está a passar, mesmo não sabendo nada em concreto. Uma atitude animalesca é a única atitude a ter perante tais factos, a ignorância e o desconhecimento, assim como a incapacidade de perceber. Sem depreciar, os animais, que sempre os tive em boa conta, confesso que neste momento me sinto um verdadeiro animal vivendo numa dicotomia entre a violência e a cobardia, estas são as minhas armas e nada mais posso assinalar.
De repente oiço barulho, muito barulho, um ruído infernal… Um, dois, três, … dez carros invadem subitamente a estrada. Ao fundo da rua circula agora um magote de pessoas. Parecem-me bastante animadas, acenam euforicamente (como que tolinhos!) aos carros que passam e os seus condutores respondem com buzinadelas efusivas. Onde havia tristeza há agora uma alegria exacerbada. Uma metamorfose repentina, como que uma passagem instantânea da morte para a vida. Mas qual será o motivo por detrás disto tudo? O final de uma guerra nunca anunciada? Não sei, mas nunca vi nada assim.
Chego finalmente a casa. Ligo a televisão e percebo o que desassossegou e inquietou a minha alma ao longo desta última hora.

… UM JOGO DE FUTEBOL … Sim, um jogo de futebol. Incrível…



Este texto saiu no jornal Correio do Minho no passatempo "conta o leitor" no dia 23 de Agosto de 2015:
http://www.correiodominho.com/cronicas.php?id=6960


A análise do senhor provedor Américo Baptista:
Fenómenos de massas. Mas antes o futebol que o festival da canção.


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