Um rosto estranho e meio vazio irrompe no café… Quem é
afinal esta mulher, que história transporta consigo?
O seu modus operandi,
algo de sui generis propõe uma
simples permuta, um par de meias coloridas de lã, por um punhado de euros, e
este é o seu ouro…
Aparenta não estar à vontade na sua posição de vendilhão, os
seus modos e gestos são genuínos, mostra-se uma mulher perturbada,
provavelmente fustigada pelas circunstâncias malfadadas da vida.
Aproxima-se das mesas ocupadas, acompanhada por algum
acanhamento, e educadamente pede para falar. Mas ninguém a quer escutar,
ninguém quer saber. Talvez não interesse saber, pois toda a gente sabe e
ninguém sabe de nada…
Eu próprio, com alguma mágoa declino tal pedido, custa-me
ouvir estas coisas e fico tolhido… Mas mantenho-me atento…
Interpela agora dois jovens (na casa dos trinta anos) junto
à porta, deixam-na falar, mas não a escutam e olham-na com um olhar de desprezo
e de gozo. Diz que não tem trabalho e que faz em casa meias de lã, para poder
pagar as contas.
Após a vendilhona sair porta fora e sem qualquer nesga de
sucesso na sua permuta, os jovens desataram a rir. Sacanas! Sacanas, a rirem-se
da desgraça alheia. A pobre mulher a lutar pela sobrevivência e aqueles sacanas
ainda a gozarem. Repugna-me tais atitudes, causam-me um grande asco e uma
enorme cólera de revolta. Reflicto na vida daquela pobre mulher a quem o
desemprego, flagelo infelizmente cada vez mais crescente, a assolou e que tenta
a todo o custo virar a sua má sorte tentando sobreviver, usando para tal o seu
inequívoco conhecimento, seja ele mais ou menos copioso, mais ou menos provido,
mais ou menos parco. Ela não cruza os braços, nem se lamenta ou lamuria-se do
seu infortúnio, ela ruma contra a maré, tenta manter-se à tona, mesmo que seja
uma luta de David e Golias, ela permanece na sua desproporcionada luta vendendo
meias de lã…
Prometo a mim mesmo, quando dali sair ofertar-lhe-ei uma
pequena ajuda (caso a encontre), reflicto nessa atitude altruísta de pequeno
filantropo e penso no que lhe dizer. Não procuro nenhum motivo para a minha
remissão ou redenção, nem procurarei glória ou notoriedade, simplesmente
procurarei sem qualquer interesse ou reditus,
minorar a sua má sorte…
Felizmente ao ir para
o carro, encontrei-a, ainda deambulava pela rua. Aproximei-me da mulher, puxei
por uma nota de cinco euros, e disse simplesmente: “Pegue nisto…” (não me
ocorreu nada de melhor), atónita e perplexa com o gesto talvez pouco comum,
disse cabalmente: “Obrigada!”, propondo-se de imediato entregar um par de
meias, ao que eu vagamente (pois não esperava nada em troca) disse: “Fique com
as meias, assim poderá vende-las!”, e fui-me embora com um sorriso nos lábios e
com o sentido de dever cumprido…
Algures perto, numa
data muito próxima.
Este texto é mais uma prova da realidade em que o nosso país caiu. Não aponto para os culpados, deixo à vossa consideração...
ResponderEliminarEstamos Todos Bem! Cada vez piores.